segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Um mundo de prioridades, mas que chato.

Escrevi o texto abaixo há 3 anos, para a revista Frequencia Livre, uma revista muito interessante de aviação.


Como ontem o Rubens Barrichello venceu a corrida, me lembrei do texto e resolvi posta-lo. Não sei se alguem da F.L. recebeu na época, vamos tentar novamente.


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Um mundo de prioridades, mas que chato.

Sempre tenho que responder uma pergunta para os meus alunos: “Pra que serve essa matéria ?”. Para os alunos acostumados aos computadores que são clicados, programar parece uma coisa sem importância nenhuma, mesmo que o curso deles seja de programação. “Pra que aprender a ordenação pelo método de bolhas, professor ? Pra ordenar basta clicar no ícone ?”. Explicar para estes profissionais em formação que nem tudo que se aprende serve para ser usado, mas para aprender, é tão complicado quanto ensinar a matéria em si. Me lembro, que uma vez passei uma pesquisa para os alunos sugerirem melhorias no curso e um iluminado escreveu: “Professor, axo que divia diminuir as aulas de portugues e almentar as de laboratório”. Fiquei pensando que talvez ele tivesse razão, afinal de contas, com seu português dos primeiros homo sapiens, ele se fez entender.

Agora além dessa já tradicional pergunta, os alunos acrescentaram mais uma: “Porque o Brasil precisa de um astronauta ?”. Talvez perguntem isso pra mim, porque tenho cabelo sempre desalinhado, uma foto do Einstein na sala e um diploma de físico ao lado, ou então porque acham que eu sei. A minha resposta tem sido sempre a mesma: “O Brasil está mostrando que deseja participar da exploração espacial, que temos pessoal qualificado ...” e justificativas e justificativas e justificativas.

Algumas coisas não estão passando bem pela garganta de alguns brasileiros com essa historia de astronauta. A primeira é que Marcos Pontes não é o primeiro astronauta da historia. Pois é, brasileiro não gosta de ser segundo em nada. Me lembro que uma vez eu estava explicando que muito provavelmente os irmãos Wright voaram de fato antes do brasileiro, porém tal vôo não foi registrado e... antes que eu pudesse concluir, fui chamado de anti-nacionalista, comunista e fedido. Não, brasileiro não aceita ser segundo. Não aceita o Barrichello como segundo piloto da Ferrari, mesmo sendo Ferrari e não aceita Guga se não for o primeiro do ranking da ATP (Seja lá o que isso signifique).

Algumas pessoas simplificam demais as coisas e dizem que ele é um “turista” que custou certa cifra aos cofres públicos. Turista ? Me sinto meio ofendido com essa afirmação, porque nunca me considerei um turista quando fazia minhas horas de vôo a bordo do Paulistinha do Aeroclube de Rio Claro, com o Instrutor berrando, mesmo ele decolando, aterrissando e fazendo a maior parte das manobras.

Outros então argumentam que essa viagem é uma forma de distrair a opinião pública dos problemas dignos de CPIs – como se estes já não fossem auto-distrativos por si só, numa simplificação digna dos irmãos Grimm. Por essa cifra contrata-se bons publicitários, faz-se um show na praia de Copacabana, ou um épico para o cinema, ou compra-se todos os juizes da copa. Tudo isso, com melhores resultados imediatos.

Estou ficando preocupado com isso. O povo brasileiro, doravante chamado de eleitor, está passando a acreditar na mentira que político consegue tudo. Claro que pessoas que tem a capacidade de escapar da cassação de mandato, de fazer desaparecer milhares de dólares, de não ver o que viu, de fazer, como os homens de preto, a memória coletiva esquecer que votaram contra o aumento do salário mínimo ou a favor do aumento de impostos, parecem ter dons sobrenaturais. Eu me recuso a acreditar que temos um astronauta em órbita por vontade de um político e não por seus méritos próprios – Não vou me deixar capitular.

O Astrônomo Roberto Boczko contou uma vez que ele e sua equipe se deslocaram a uma cidade onde seria possível observar um eclipse total do Sol. A pequena cidade praticamente parou com a chegada das pessoas, seus equipamentos e a expectativa de ser o melhor lugar do planeta para se ver o efeito. O prefeito, porém ficou preocupado porque o fenômeno aconteceria numa quinta-feira e caso decretasse feriado, os funcionários públicos “emendariam” a sexta. A câmara de vereadores então fez uma carta solicitando a transferência do fenômeno da quinta para a sexta-feira. Tá bom, tudo bem que os políticos acreditem nesse poder sobrenatural deles, mas daí o eleitor aceitar isso como verdade universal já é demais.

Agora de matar é o argumento que essa viagem não é prioridade. Até entendo quem assim argumente, mas fiquei surpreso ao me deparar com tal argumentação na revista Frequência Livre, uma revista de aviação. Explico: Já imaginou um mundo em que vivêssemos apenas para as prioridades da vida ? Ir para o serviço de ônibus, almoçar carboidratos, fibras e vitaminas rigidamente pesados e recomendados pela comissão de prioridades alimentares, para beber: água e sexo só para reprodução. Extinguir-se-iam as corridas de formula-1, os ultraleves seriam proibidos, pois a prioridade é transporte de cargas de alimentos e medicamentos, os músicos seriam presos e os que resistissem fuzilados, pois não existe nada menos prioritário que música. Feiras como EAB, Oshkosh e outras, só para empresários, mediante “consumação mínima”.

Eu seria proibido de ficar as tardes de domingo no aeroclube fotografando aviões, pois a prioridade é o supra-citado vôo de transporte de carga e a prioridade na minha casa, no momento é resolver um vazamento na calha de chuva, revistas só as que tratam de política e a minha querida Freqüência Livre seria extinta por decreto, relógios Cássio e nunca um Brietling. Meu tal aluno, não teria mais suas tão detestáveis aulas de português, aprenderia a clicar ao invés de programar e todos viveríamos felizes.

Todos ? Eu não. Aprendi nessas horas de vôo de Paulistinha, de admirar os inúteis ultraleves, de curtir formula-1 ao invés dos prioritários Sedãs Populares de rua e passar a tarde toda num aeroclube pra fazer uma única foto decente de um planador na curta final que o que torna a vida interessante são as coisas que não são prioridade. Melhor que a TAM é o museu que a TAM está construindo em São Carlos, melhor que os negócios na EAB é o show de paraquedismo, melhor que os aviões de transporte da FAB é a esquadrilha da fumaça, melhor que ter um antipático Schumacher é ter um gente fina Barrichello e muito, mas muito melhor que ter um cosmonauta que fala russo é ter um sorridente Marcos Pontes que fala português e que nasceu na capital mundial das térmicas: Bauru ! (quem já voou de planador sabe do que estou falando).

Então, repensando minha brasileiridade, resolvi que minha resposta daqui para frente mudará, à tradicional pergunta “Prof. porque preciso aprender isso ?” a resposta será: “Os medíocres aprendem o essencial, os bons vão além !”. E a agora nova pergunta: “Ter um astronauta brasileiro é prioridade?”, a resposta será: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Quando perdermos a esperança em nossas qualidades, ai sim os políticos terão o poder que tanto sonham.

Samuel: Não concluiu o curso para brevet, mas não se arrepende de ter feito aulas, continua fotografando planadores no aeroclube e contratou um encanador para resolver o problema da calha. Continuará comprando a revista Freqüência Livre porque odeia viver de prioridades.

Barrichello: Mudou de equipe e ontem marcou os dois primeiros pontos para a sua equipe, depois de ter largado na última fila.

Meu aluno, mantido anônimo por razões obvias, diçe que leo esse testo, mais augumas coiza num entedeu.

Marcos Pontes: Continua em Órbita.

Samuel Corrêa Bueno (03/04/2006)