“Michelangelo, você sabe muito sobre ele: sua obra, aspirações políticas, ele e o papa, tendências sexuais, tudo. Mas não pode falar do cheiro da Capela Sistina. Nunca esteve lá, nem olhou aquele teto lindo. Nunca o viu.” – Trecho de um dialogo do filme Gênio Indomável
Eu me lembro bem da primeira celebridade que conheci pessoalmente, mas por ironia, não me lembro quem era. Me lembro da situação: Meu pai que trabalhou algum tempo em uma radio difusora em nossa cidade, quis que eu conhecesse o estúdio da radio local. Conhecemos o estúdio e um artista estava sendo entrevistado e nos deu um “oi”. Meu pai sempre dizia quem era ele, mas confesso que não me lembro, posso até perguntá-lo agora sobre isso, mas prefiro não fazê-lo, porque seu nome é o menos importante. O importante é que naquele instante nasceu um sentimento que me acompanha até hoje e que se renova de vez em quando. O momento de conhecer uma pessoa que admiro e ganhar deste um autografo.
Existe algo de mágico de receber um autografo. O primeiro que recebi foi do poeta intinerante Roraima Alves da Costa, um poeta que viaja (ou viajava, perdi contato) pelas escolas do Brasil vendendo seus livros de poesia e em conseqüência, autografando-os. Tenho o livro até hoje, muito bem guardado e vez por outra o leio. Este foi o único autografo que recebi antes de conhecer o trabalho de alguém. Sempre procuro autografo de pessoas que admiro muito. Depois deste primeiro, vieram: Mauricio Pereira, Kika Seixas, Roger Rocha Moreira, Prof. Antonio Marmo, Inezita Barroso (que autografou um pedaço de papel de serviço), Pena Branca, Xavantinho, Renato Teixeira, Pedro Cameron, Caçulinha, Braguinha (não o compositor de Carinho) e finalmente, ontem Pery Ribeiro.
Eu já tinha tentado vê-lo outras vezes que ele veio até minha cidade, mas nunca havia conseguido. Ontem, com um pouco de atraso, fiquei sabendo que ele estaria autografando o livro “Minhas duas estrelas” na abertura da exposição em homenagem a sua mãe Dalva de Oliveira. Eu já queria comprar o livro, porque sempre fui fã de Herivelto, de certa forma, até mais que minha co-conterrânea Dalva. Não que tenha algo contra sua voz clara e afinadíssima, inspiração para toda a minha família de músicos, mas o ato de compor e arranjar e tocar ao violão sempre foi o elo que me interessou e por isso Herivelto com suas mais de 700 composições sempre me atraiu profundamente. Assisti com certo desprezo a mini série Global. Não desprezo pelos atores, figurino ou produção, mas pela falta de música na mini-série e historias destas. E pela polarização característica das tramas globais, onde bom é bom e ruim é péssimo!
Pois fui lá. Comprei o livro, olhei a exposição e, enquanto aguardava o inicio dos autógrafos, um grupo fez uma entrevista, de uns 40 minutos com ele. Fiquei a cerca de 10 metros de Pery. Quase tudo o que foi perguntado e o que ele respondeu eu já sabia e quase poderia responder a entrevista por ele. Mas não poderia. Aquele homem de pele morena, cabelos cacheados olhos verdes, transmitia algo que por mais que eu o conheça, eu ainda não o conheço.
Ele transmite uma calma, uma alegria e uma felicidade, seus olhos brilham cada vez que sua voz melodiosa, pausada e forte pronuncia as palavras Dalva e Herivelto, Mamãe e Papai. Um senhor que afirma ter passado por cima (literalmente) de Silvio Caldas e Nelson Gonçalves para poder chegar ao ônibus escolar, quando estes dormiam em suas casas. Este brilho nunca havia visto pela TV.
- Você sabia que ele foi o primeiro a gravar Garota de Ipanema? – Disse um senhor para mim. Mas não pude responder. Eu só conseguia ouvir as historias que Pery Ribeiro contava para a equipe de reportagem e indiretamente para mim.
Fiz algumas fotos, tentei não usar o flash, mas ele disparou por acidente e ele olhou fixamente para mim.
Algumas pessoas estavam impacientes que a entrevista se estendia, mas eu ficaria ali ouvindo suas palavras mansas. Palavras de quem passou pelos melhores momentos da Música Popular Brasileira e tem consciência disso.
Eu queria ouvi-lo cantar. Mas pelo que me informaram a noite seria apenas de autógrafos.
Quando chegou minha vez, só pude dizer meu nome, seguido de um – “Por mim, ficaria a noite toda ouvindo suas historias, a entrevista foi deliciosa!” Queria dizer mais, queria dizer que o admirava como cantor, que admirava o pai dele como compositor, sua mãe como interprete, que “Ave Maria no Morro” cantada pelo Scorpions me fez conhecido na Internet, que eu tenho o disco do Trio Los Panchos com Caminhemos, que meus avós conheceram Vicentina e muito mais, mas a sinusite e o momento não foram pra isso.
Peguei meu livro e disse apenas – “Um prazer enorme conhecê-lo!”. Ao que ele me respondeu com um sorriso – “Prazer todo meu!”.
Este homem que conheceu o cheiro dos que eu admiro de ouvir, ler e ver fotos, me presenteou com um pouco de sua existência, uma assinatura num papel com seu próprio cheiro, sua leitura dos fatos, sua própria musica e sua felicidade.
É há algo de mágico nos autógrafos.
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