Calma, calma. Não responda já. Leia este POST antes e tente me responder depois.
Me deu um trabalhão escrevê-lo e você vai responder assim de sopetão?
Dividi em alguns tópicos, mas ficou longo porque o assunto é delicado, mas por favor leia por completo.
Dividi em alguns tópicos, mas ficou longo porque o assunto é delicado, mas por favor leia por completo.
Hoje, dia 12 de Abril de 2012 o Supremo Tribunal Federal julgou que mulheres que interrompem a gravidez de fetos formados sem cérebro, os chamados anencéfalos e os médicos que praticam tal procedimento não estão cometendo crime.
Nos dias 10,11 e 12 de Abril uma enchente te comentários a favor e contra tal julgamento povoou a internet. No twitter os comentários usavam a hashtag #afavordavida e depois de serem TT (Top Trend – assunto mais comentado do momento) sumiram da classificação talvez por algum critério de corte da ferramenta e não por desinteresse dos usuários.
Ser a favor ou contra entende-se uma série de implicações, tanto para um lado como para outro. Mas vi que, salvas exceções a maioria das argumentações eram baseadas meramente em dogmas e nenhum censo critico. Mesmo os religiosos argumentam sem usar de seu princípios fundamentais para repudiarem tal assunto.
O Supremo Tribunal Federal.
O primeiro equivoco dos argumentadores, dos quais selecionei alguns abaixo, é acreditar que foi
aprovada a lei do aborto no Brasil. Não é isso.
O Supremo Tribunal Federal é um dos três poderes do estado, ele pertence ao poder jurídico, sendo a mais alta cúpula jurídica do Pais. Cabe ao STF julgar ações que foram votadas em tribunais municipais ou estaduais e em função de uma das partes – Obviamente a que perdeu – não concordar com a decisão, apelar para uma corte superior. A coisa vai subindo até chegar no Supremo Tribunal Federal. Também passam pelo STF casos que dizem respeito a todo o pais e não apenas locais.[leia mais aqui]
Além destes casos, chamados concretos, o STF julga casos em que se questiona se dada lei não fere a constituição, que é o caso dos fetos anencéfalos.
O STF não é formado, como os outros poderes, por pessoas de várias formações eleitas por voto popular e sim por 12 ministros que são juízes indicados pelo presidente da Republica quando ocorre uma vaga por aposentadoria ou morte de seu ocupante.
Veja que este equivoco é cometido nestes posts, onde o usuário diz não ser representado pelos ministros, numa clara confusão entre deputados, senadores com os ministros.
Ministros não representam no mesmo grau que o poder legislativo, pois como disse acima, não são eleitos pelo voto popular. Obviamente que de certa forma eles representam o povo em suas aspirações e não estão acima deste, mas não entrarei nesta discussão filosófica.
Se o STF não aprovou a lei, o que ele fez então?
Como disse lá em cima, o STF julga, entre outras coisas, se uma dada lei ou intrerpretação de uma lei está em acordo ou desacordo com a Constituição Federal. Isso não é nada, mas nada fácil. Tanto é que eles discutem muito, estudam muito e muitas vezes, quase sempre, não tem decisão unanime.
A Constituição Federal é um conjunto de leis fundamentais de um pais. Nela estão contidos os direitos fundamentais de todo cidadão. Ela é relativamente curta e de leitura relativamente simples. A atual foi votada em 1988, sendo uma constituição exemplar em democracia respeitada no mundo todo.
Alguns países tem constituições mais antigas e mais curtas, como a americana, procure ler sobre ela.
Bem. O que aconteceu agora, neste caso dos fetos é que uma dada instituição, a Confederação Nacional de Saúde, registrou em 2004, há 8 anos portanto, uma pergunta em síntese e de forma didática o seguinte: “Senhores ministros, a proibição de interrupção da gravidez de fetos sem cérebro fere ou não a constituição?”
É uma encrenca brava porque a constituição não diz que o aborto é crime no Brasil, mas diz em seu artigo número 5:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”
Note que a Constituição deixa uma brecha de entendimento ao dizer que é assegurado o direito a vida, mas não define quando esta começa.
Quem define o que é aborto e que este é crime no Brasil é o código penal, que é bem mais antigo, é de 1940. O código penal, diferente da constituição, é um conjunto de leis que diz o que é crime e quais as punições.
Em seus artigos 123,124,125 e 126 o código penal é claro que aborto é crime e quem auxilia esta prática também comete crime.
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Em seguida dá duas exceções:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Se você parar de ler o POST aqui, você deve estar convencido que o aborto destes fetos sem cérebro fere a constituição e o código penal, certo? Então não desista, leia até o fim para ver o outro lado da moeda.
Bem ai vem a segunda confusão. Fetos sem cérebro não tem a menor chance de sobreviver fora da barriga da mãe. Não existe sobrevivente, o bebê morre em no máximo poucas horas após o parto.
A formanda de direito Aline Tammy Martinez ABE escreveu um trabalho entitulado “SOFRIMENTO DAS GESTANTE DE ANENCÉFALO” onde ela analisa algumas questões psicológicas, sociais e físicas de mulheres grávidas de fetos sem cérebro. Destaco um trecho:
“Débora Diniz produziu um documentário que conta a história de uma mulher do sertão nordestinho que espera o um anencéfalo, chamada Severina. O documentário acompanhou toda a trajetória dessa guerreira, na tentativa de conseguir a autorização judicial para antecipar o parto. Durante esse trajeto ficou demonstrado o estado emocional em que Severina se encontrava.
A gestante relatou a documentarista que sentia medo e não entendia o que estava acontecendo consigo. Apesar de todo apoio que recebeu do marido, Rosivaldo, Severina foi perdendo a esperança de um dia interromper sua gestação, sua saúde psicológica estava visivelmente perturbada. No sétimo mês de gestação, a autorização jurídica finalmente foi conseguida e antes de entrar no hospital para os procedimentos médicos necessário, Severina foi a uma loja que vende artigo infantis e de lá saiu como uma única peça, que foi usada para enterrar seu filho.
No momento em que entra no hospital, os anestesistas de plantão se recusam a medicar a paciente por serem contra o aborto, nessa hora é possível ver o cansaço da gestante em continuar a luta.
Finalmente chega a hora do parto e a mãe pede para ver o filho, que não tinha a calota craniana, Severina começa a chorar, pois finalmente entendeu que seu filho estava morto. Segundo a própria Severina o momento mais difícil foi explicar a seu primogênito que o irmão, pelo qual ele tanto ansiava não havia voltado com ela da maternidade.”
Além do fator psicológico narrado, Aline ainda aponta fatores médicos que atingem as grávidas de fetos sem cérebro e riscos reais as mães, uma vez que o bebê não “ajuda” para nascer – para usar um termo de fácil entendimento – prejudicando a saúde da mãe, podendo deixá-la estéril permanentemente ou mesmo de morrer durante o parto.
Daí a encrenca. Voltando a constituição, ela garante o direito a saúde:
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”
E o que é saúde? A constituição não define, mas a Organização Mundial de Saude ao qual o Brasil aceita suas resoluções – é signatário com se diz, define:
“saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”
Percebeu o tamanho da encrenca? Os profissionais de saúde devem garantir saúde a população, mas mulheres que engravidam e descobrem que o feto não tem cérebro, estão condenadas a ficar sem plena saúde?
Vem então mais uma confusão. Alguns pais que passaram por esta situação, entraram na justiça pedindo autorização legal para o aborto, alegando riscos a saúde da mãe e direito a dignidade. Note que são pessoas de respeito e que fizeram as coisas como devem ser feitas, do ponto de vista legal, pois não recorreram a uma clinica de aborto clandestina ou a remédios populares.
Estes pedidos demoraram tanto para serem atendidos que quando a resposta veio, o bebê já havia nascido e fatalmente morrido.
Então o que muda com este parecer do STF? Bem o que muda é que qualquer pessoa que estiver grávida de um feto sem cérebro terá maior rapidez em fazer um pedido de aborto. Nenhuma lei foi modificada, apenas o STF entendeu que o direito a dignidade e saúde está acima de um feto que não sobreviverá de forma alguma na vida fora da barriga.
Veja que a coisa é tão complicada que não foi uma votação unanime e dois ministros votaram contra. Um deles entendeu que as leis atuais não contemplam este fato e que os deputados deveriam criar, ou não uma lei especifica.
A Religião:
Agora por último e não menos importante entra e religião. Na maioria dos críticos a esta interpretação do STF é ligada a religião, seja católica, protestante ou espírita
Perceba que a religião ainda tem seu fator de dar apoio a estas pessoas e fieis podem optar, em nome da fé a não abortarem mesmo nestes casos. O aborto de fetos sem cérebro não é obrigatório.
Primeiro que a afirmação de que o aborto nestes casos é pecado é uma interpretação nada trivial. Um feto sem capacidade de pensar e agir por conta própria tem vida? É uma situação semelhante a de pessoas que por acidente ou doenças sofrem a "morte cerebral", onde o coração funciona, mas o cerebro não mais e são declarados mortos.
E o direito a vida da mãe, não está em ameaça?
Entretanto um fator ainda pode preocupar: Mulheres de fetos normais, podem, com a ajuda de médicos inescrupulosos usar de laudos falsos, dizendo seus fetos serem sem cérebro para provocar um aborto? Limpando assim o que seria ilegal?
Claro que neste caso, todos os envolvidos estariam cometendo crimes de várias naturezas, mas como a fiscalização no Brasil em muitas áreas é precária, acredito que seriam crimes impunes em muitos casos.
Em todo caso, voltamos a discutir: Podemos negar o direito de pessoas corretas para facilitar delito de outras?
E a discussão recomeça.
Minha preocupação em todo este caso é que uma discussão desta não se resume em ser a favor ou contra e precisa ter muita argumentação tanto de um lado como de outro.
Bem de meu lado, como cristão, pai de duas filhas e tendo passado por dois abortos espontâneos, devo dizer que aborto ainda que natural, é uma experiência bem ruim. Devo dizer também que espero mais oração das religiões que discussões armadas de pedras.
Se sou a favor ou contra? Como cristão daria o apoio a meu próximo que decidisse por uma coisa ou outra, afinal o principio fundamental do cristianismo não é nem o direito a vida e sim: “Ame o seu próximo como a ti mesmo. E não há mandamento maior que este” Marcos 12:31.
Pintar as mulheres que optam pelo aborto nestes casos como matadoras de crianças é colocar ainda mais peso a estas almas sofridas.
Acho que agora você pode me dizer: Você é a favor ou contra?
(*) Neste texto usei o termo “sem cérebro” ao cientifico “anencéfalos” para ser mais didático.
Um comentário:
Atendendo ao pedido de um usuário citado e em respeito a todos, removi a identificação de todos, mesmo sabendo que as citações foram dadas em ferramenta (twitter) publica, espontaneamente e que os usuários foram comunicados para que possam contra-argumentar. Enfim, como estamos tratando do assunto direito e respeito, as identificações foram removidas. Mantive a palavra "Padre" na ultima imagem pois é importante para entender o contexto, mas opiniões semelhantes foram emitidas por outros religiosos.
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